segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Consumidores populares abandonados pelas marcas

A revista "Exame", de 18 de fevereiro de 2011, traz uma reportagem "O que é luxo para a classe C?", que tem como base uma pesquisa realizada pela Franceschini Análise de Mercado. O objetivo da pesquisa era sondar qual era a percepção de luxo que têm estes consumidores populares.
Sim, estes mesmos, os pobres de ontem que só por terem acumulado em seus bolsos, antes furados, mais de 900 bilhões de reais, passaram a ser classificados como "classe média". A intenção como sempre é boa e bem vinda. Mas os resultados da pesquisa, estampados na "Exame", trazem uma informação que merece nossa atenção: "O estudo, no entanto, indicou que 64% dos consumidores da classe C não têm nenhuma marca de vestuário na memória que esteja ligada a luxo, assim como 62% também não citaram uma loja específica. Os números indicam as oportunidades para as empresas que souberem encantar esses clientes."O grande desafio a ser superado pelas redes varejistas brasileiras para "encantar seus clientes", diante deste tsunami de consumo talvez seja apostar, a médio e longo prazos, nas expectativas emocionais, sociais e culturais destes novos consumidores e consumidoras. São pessoas que integram ao consumo suas expectativas de vida. Estão ansiosas para confirmar a cada ida às lojas o novo estágio de qualidade de vida que atingiram. Intuem que para manter o estilo "classe operária vai ao paraíso" que precisam consolidar, de alguma maneira ainda imprecisa, o acesso a renda e ao crédito.

Estes consumidores afloraram para o mercado após o Plano Real. Surgiram aos poucos comprando frango e laticínios. E gostaram. Avançaram para vestuário e eletrodomésticos e sentiram a emoção do consumo. Recentemente, com o acesso ao crédito, somaram aos seus carnês, o talão de cheque e o cartão de crédito e ousaram consumir mais, apesar da insegurança.
A espinha dorsal que ainda os ajuda a amadurecer a decisão de compra vem dos tempos em que não tinham certeza a respeito da próxima refeição. Superada esta etapa, agora vivem numa situação em que precisam ser convencidos que as lojas e redes varejistas querem ser suas aliadas para facilitar a próxima compra.

Porque estão acostumados com a vida a prestações. É assim para construir a casa própria. Em média 20 anos entre o terreno, cada tijolo, saco de cimento e a laje batida. Para o carro popular zero, 60 meses. Para a televisão modernosa, 24 meses. Para a geladeira, 18 meses. Consomem em conta gotas. E sabem recompensar redes como a Casas Bahia que entenderam e os apoiaram esse acesso fracionado aos bens.
Mas agora, com o crédito fora do carnê e da negociação amigável de uma Casas Bahia, que permitia inclusive recompor em novas compras as prestações atrasadas, as compras continuam a se sustentar nos velhos hábitos de “uma prestação a cada vez, de um bem por vez”.

Ainda não conseguem escapar das mercadorias e se concentrar nas lojas, redes ou marcas, porque foram abandonados emocional, cultural ou socialmente pelas grandes redes ou marcas.
Que lhes tratam de maneira indiferente e distante, como se estivessem fazendo um favor ao disponibilizar o produto e o crédito para que assumam a responsabilidade pela compra.

O que as grandes redes ainda não perceberam é que esse pessoal que escapou da insegurança da próxima refeição quer, agora, a cumplicidade para melhorar a esperança da próxima compra.
Se conseguirem essa aliança que surgirá de redes que os entendam emocional, cultural e socialmente, vão começar a prestar atenção às marcas e às lojas, porque elas passarão a fazer parte de suas vidas, de suas famílias e de suas vivências culturais, sociais e emocionais. Caso contrário, vão continuar a comprar, apenas por necessidade, e a virar as costas e apagar da memória marcas, lojas e lojistas.

Acessar seus corações e mentes, para chegar aos seus bolsos parece uma equação simples. Mas traz o desafio de vencermos a enorme barreira do apartheid que contagia nossas relações sociais, em que uma elite aprendeu a vender apenas para si mesma. E que encontra, agora, enormes dificuldades para posicionar seus produtos, luxuosos ou não, suas marcas e suas redes de varejo, para mais de 30 milhões de novos consumidores. 

Marco Roza é jornalista e diretor da Agência Consumidor Popular
Fonte: ACP